MECANISMO DE AÇÃO DA ACUPUNTURA

Introdução

Os principais mecanismos de ação da acupuntura consistem em microlesão, aumento do fluxo sanguíneo local, cicatrização facilitada e analgesia por estímulo de opióides endógenos e estimulação nervosa periférica.

A agulha de acupuntura estimula os nervos nos tecidos locais. Isso causa a liberação de neuropeptídeos resultando em vasodilatação e aumento da circulação local.

Ação local

Os nervos sensitivos periféricos (fibra C) nos “acupontos”, ao serem estimulados induzem a liberação de substância P e de outros mediadores (proteína do gene relacionado à calcitonina) que causam vasodilatação, aumento do fluxo sanguíneo local e edema localizados, portanto uma pequena resposta inflamatória[1].

Esses mecanismos explicam por que no local de penetração da agulha ocorrem pequena mancha vermelha (efeito da vasodilatação) e coceira (liberação de histamina pelos mastócitos).

Efeitos cicatrizantes e regeneração tecidual devido à acupuntura decorre da migração e da aceleração da proliferação de fibroblastos promovidos pela substância P liberada localmente. Essa ação, além de induzir efeitos estéticos suavizando rugas das expressões faciais, melhora as estrias recentes da pele.

Alguns pesquisadores demonstram que a acupuntura promove analgesia periférica. Acredita-se que essa analgesia periférica seja devido aos peptídeos opioides circulantes, que alcançam a área onde há inflamação, e aí atuam em receptores opioides presentes nas terminações nervosas sediadas, principalmente, nas regiões das articulações[2].

Um exemplo disso é quando uma pessoa é picada por um inseto, aparecendo dor, inflamação e coceira no local, e ao coçar a região atingida com a unha causa uma micro-inflamação e, em seguida, ocorre diminuição dessa coceira.

 

Efeito analgésico segmentar via medula espinal

A liberação dos neurotransmissores ácido gama-aminobutírico (GABA), dinorfina e encefalina impede a transmissão da dor, exercendo efeito analgésico. Na medula ocorre também efeito inibidor da transmissão do potencial nocivo, pela ação dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina, que atuam com os peptídeos opióides.

Há provas de que a liberação de encefalina por mecanismo similar reduza a secreção ácida no estômago; desse modo, explicar-se-ia a ação da acupuntura no tratamento de gastrite.

As técnicas atuais permitem o registro de marcadores genéticos da atividade elétrica do neurônio do SNC (proteínas C-fos), de maneira que, após o agulhamento, há aumento quantitativo dessas proteínas em nervos que contêm encefalinas e b-endorfinas.

Isso provocaria a redução da liberação de substâncias neuro-excitatórias (glutamato) e o aumento das neuro-inibitórias (acetilcolina e noradrenalina), com redução da atividade elétrica do nervo e, consequentemente, da transmissão dolorosa no SNC.

A acupuntura também é efetiva na redução da inflamação periférica que ocorre após a injeção de substâncias tóxicas na pata de animais de experimentação, diminuindo o tamanho do volume da pata e da transmissão dolorosa evidenciada pela redução da expressão de C-fos na medula espinhal. Em ratos com lesão do nervo ciático e dor, a estimulação de pontos de acupuntura com veneno de abelha provoca alívio da dor decorrente de trauma mecânico ou térmico[3].

Como esse efeito não foi revertido por drogas que bloqueiam a ação das encefalinas, é possível que a acupuntura, na dor por lesão de nervo, module o sistema nervoso neurovegetativo, inibindo a liberação de substâncias neuro-excitatórias.

Efeito analgésico supra-segmentar (cerebral)

Sistema inibitório opióide do tronco encefálico: liberação de encefalina e endorfina após a ativação de neurônios opioidérgicos e, secundariamente, liberação de serotonina e noradrenalina no SNC[4].

Hipotálamo-hipófise: liberação simultânea de endorfinas e ACTH (adrenocorticotrofina). A primeira penetra no líquido cérebro-espinal e na circulação sanguínea sistêmica induzindo analgesia. O ACTH induz a liberação de cortisol da glândula supra-renal, que é um corticoide “natural” com ação anti-inflamatória.

O emprego de técnicas com neuroimagem (ressonância magnética funcional) já registrou a ativação de determinadas áreas do SNC sensitivo (córtex somestésico SI e SII, frontal orbital, tálamo ventral) e motor (córtex primário motor, tálamo dorsal) após o agulhamento de pontos clássicos de acupuntura (E 36, BP 6, B 57 e VB 34). Isso reforça a hipótese de que a acupuntura modula a resposta sensitiva e motora decorrente da dor crônica.

Efeitos no comportamento

A acupuntura ativa um circuito neuro funcional, que compreende o loco cerúleo, os núcleos da rafe, amígdala, córtex pré-frontal e temporal, giro do cíngulo, hipotálamo e sistema límbico. Essa atividade é importante no tratamento do transtorno da ansiedade. Neurotransmissores como serotonina e ácido gama-aminobutírico (GABA) são importantes para essas funções[5].

A acupuntura ativa o loco cerúleo e libera noradrenalina, neurotransmissor envolvido com a sedação. Em caso de dependência química ou psicológica e de sintomas devido à síndrome de abstinência, a acupuntura atuaria no núcleo acumbente e no loco cerúleo, respectivamente. Desse modo, explica-se o uso da acupuntura como coadjuvante no tratamento do tabagismo e da dependência de drogas[6].

Nessas circunstâncias, o efeito da acupuntura está mais relacionado ao controle da ansiedade que intercorre como comorbidade nesses transtornos, o que torna melhor a adesão aos tratamentos convencionais. Guimarães e cols. (1997) observaram que a acupuntura aplicada durante estresse agudo em um grupo de ratos, imobilizados durante 60 minutos, atenuou alguns comportamentos de luta ou fuga.

É importante ressaltar que estados de ansiedade e tensão nervosa, o próprio medo, entre outras alterações psicológicas, aumentam a tensão muscular e geram mais dor. É uma espécie de círculo vicioso.

Esse estado alterado pode gerar certas substâncias algogênicas (substâncias que causam mais dor), modificar o pH local do sangue e ampliar o processo doloroso e degenerativo em curso.

Por essa razão, o efeito tranquilizante (sedante, ansiolítico) da acupuntura é extremamente relevante para o bem-estar do paciente.

Efeitos sinérgicos contra círculo vicioso

As ações da acupuntura, muitas vezes, são sinérgicas (somam-se ou potencializam-se). Esse sinergismo pode manifestar-se desde o início do tratamento e em etapas diferentes de sua aplicação[7].

Por exemplo, o efeito analgésico e o relaxamento muscular são mais imediatos, enquanto a ação anti-inflamatória manifesta-se três ou quatro dias após, e os efeitos ansiolítico (calmante) e antidepressivo surgem gradativa e simultaneamente[8].

Desse modo, interrompe-se o círculo vicioso de dor-inflamação-espasmo muscular-ansiedade e desespero / angústia-depressão.

 

Náuseas e vômitos

O vômito e as náuseas de diversas causas decorre da ativação da área postrema sediada no tronco cerebral. Essas condições são muito bem controladas pelos estímulos da acupuntura. O mecanismo envolve liberação de peptídeo opioide, entre outros neurotransmissores. Tougas e cols. (1992) demonstraram que a acupuntura é capaz de reduzir a secreção ácida do estômago.

Embora os mecanismos envolvidos na náusea e no vômito sejam complexos e a etiologia multifatorial, existe um volume crescente de evidências que confirmam uma parte da eficácia clínica da acupuntura. Apesar de ainda não se ter a compreensão total do mecanismo de ação de acupuntura em controlar a náusea e o vômito, sabe-se que a técnica é bastante segura e eficaz nos casos provocados por distúrbio emocional, gravidez, pós-operatório e tratamento de radioterapia e quimioterapia.

Estudo de revisão sistemática de 2013 publicado no PloS One[9] avaliou 30 ensaios clínicos randomizados de alta qualidade de acupuntura para náuseas e vômitos pós-operatórios. Os pesquisadores avaliarem os dados de quase 3000 pacientes, e encontraram que o estímulo do ponto de acupuntura PC 6 reduziu significativamente a incidência de vômitos pós-cirúrgicos em até 6 horas pós cirurgia e náuseas até 24 horas pós procedimento.

Imunidade

A partir de diversos ensaios clínicos e experimentais, sabe-se que a acupuntura tem um papel modulatório sobre o sistema imunológico. Porém, esse sistema é bastante complexo, seus componentes interdependentes e os ensaios são fragmentados e mapeiam segmentos do sistema imunológico.

Por exemplo, Kasahara (1993) relata supressão da reação de hipersensibilidade tardia, sugerindo mecanismos mediados por receptores opióides. Karst e cols. (2003) descrevem ativação fagocitária dos neutróficos por estimulação do ponto IG 11.

Em síntese, a acupuntura pode estimular a função de células do corpo (neutrófilos) na defesa contra infecções bacterianas e fúngicas. Isso pode ser demonstrado pelo aumento da produção de produtos relativos ao aumento da atividade metabólica dessas células (citocinas), favorecendo a ideia de que a acupuntura modula a resposta imune.

Alguns autores acreditam que a estimulação do ponto E 36 provoque efeito antialérgico, que é máximo após 7 dias de tratamento, isso por meio da interação de substâncias produzidas pelo hipotálamo com as secretadas pelas células do sistema imune.

Esses trabalhos sugerem que a acupuntura pode ser bastante útil no tratamento de alergia, rinite, asma, e outras doenças imunológicas, mas não é capaz de eliminar infecções bacterianas, fúngicas e virais.

Anomalias cardiocirculatórias

A acupuntura promove profundas alterações no sistema cardiovascular. Diversos estudos demonstraram que a técnica tem um papel homeostático, ou seja, estimula o sistema a retornar a seus níveis normais. Ballegaard e cols. (1993) relataram que a acupuntura apresenta ação modulatória sobre o fluxo sangüíneo da pele, reduzindo a temperatura desta, quando elevada e vice-e-versa.

Yao (1993) demonstrou que a acupuntura pode baixar a pressão arterial elevada em pessoas hipertensas e elevar a pressão baixa nos indivíduos com hipotensão.

West e Colquhoun (1993) relataram que a estimulação elétrica transcutânea pode ser útil para aliviar os sintomas da angina pectoris e melhorar o desempenho cardíaco, provavelmente devido a uma combinação de analgesia com inibição da estimulação nervosa simpática do coração.

Estudos sugerem que a acupuntura pode reduzir a hipertensão, porém muitos ensaios carecem de rigor metodológico. Kalish e cols. (2004), em uma proposta de estudo rigoroso, fazem uma revisão dos possíveis mecanismos de ação da acupuntura na redução da pressão sanguínea em pacientes hipertensos.

Estudos prévios demonstraram que a acupuntura reduz a atividade da renina, aldosterona e angiotensina II, aumenta a excreção de sódio e promove alterações plasmáticas de noradrenalina, serotonina e endorfina.

Alguns desses mecanismos são os mesmos provocados por algumas classes de medicamentos anti-hipertensivos.

Obesidade

Asamoto e Takeshige (1992) demonstraram que acupuntura auricular reduz o peso em ratos obesos mediante ativação do núcleo ventromedial do hipotálamo (centro da saciedade)[10].

Em revisão recente, Lacey, Tershakovec e Foster (2003) descreveram que a possível ação da acupuntura no tratamento da obesidade se deve ao fato de a orelha ser inervada por vários nervos, incluindo o vago, glossofaríngeo, trigêmeo, facial e ramos de nervos espinhais cervicais. O nervo vago interage com os nervos cranianos e estes com o trato digestivo[11].

A estimulação dos nervos interfere nos sinais de apetite do trato gastrintestinal.

Reabilitação em neuropatias

Em trabalho-piloto para o tratamento por acupuntura de acidente vascular cerebral (AVC) agudo, Alexander e cols. (2004) revêem os possíveis mecanismos de ação da acupuntura no AVC. Esta induz modificações no fluxo sanguíneo cerebral regional, que podem aumentar o fluxo em áreas hipodifundidas da penumbra isquêmica.

Mudanças no fluxo sanguíneo podem se dever também à ação da acupuntura nos sistemas límbico-hipofisário em resposta à estimulação de pontos analgésicos. Além disso, recentes estudos em animais demonstram que a acupuntura pode estimular a expressão de fatores neurotróficos que promovem a sobrevivência das células e previnem a apoptose.

Wu (2001), em sua tese de doutorado, demonstrou a eficácia da acupuntura na melhora e na reabilitação de pacientes crônicos vítimas de AVC. O trabalho foi realizado com 62 pacientes com sequelas de derrame, com história da doença com média de sete anos e meio.

Segundo o autor, “as células nervosas do cérebro reagem para começar a funcionar. As células mortas não são ressuscitadas. São as células quietas, afetadas pela falta de sangue em consequência do derrame, que provavelmente começam a funcionar, como se fossem células em hibernação ativas que se recuperassem”.

Efeitos endócrinos

Existem poucos trabalhos na área de endocrinologia. Alguns estudos clínicos sugerem que a acupuntura possa melhorar a alteração dos ciclos menstruais de causa disfuncional, aumentar a chance de fertilidade na mulher, aumento de produção de espermatozoides e diminuição de desconfortos no período de menopausa, como as ondas de calor.

Há relatos clínicos de melhora de diabetes. Ainda se desconhecem os mecanismos de ação da acupuntura neste campo, mas, de acordo com alguns resultados de trabalhos publicados na China, a acupuntura apresenta boa perspectiva para essas doenças.

No que se refere às doenças de tireoide tanto hiper como hipo, até o momento não está comprovado que a acupuntura possa funcionar para inibir ou aumentar a produção do hormônio tiroidiano.

Além disso, quase não há pesquisas ou trabalhos de tratamento clínicos para outros tipos de distúrbios endocrinológicos.

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